BRADLEY, A. C. A Tragédia Shakesperiana. Trad. Alexandre Feitosa Rosas. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 3-27. Conferência I – A substância da tragédia shakespeariana.
Questionamento principal: qual a substância da tragédia shakespeariana; qual a natureza do aspecto trágico da vida tal como representado por Shakespeare; ou ainda qual a concepção trágica de Shakespeare?
Com relação ao questionamento principal da conferência, não se pressupõe que Shakespeare tenha formulado ou respondido propositalmente a estas questões. Tampouco que a representação trágica em Shakespeare corresponda à totalidade da representação da vida humana, mas sim de um aspecto dela, sob um determinado foco. Assim, cada obra constitui um universo específico correspondente a uma noção de vida humana, que juntas constituem uma totalidade da visão shakespeariana.
Seguem-se dois pontos que destacam elementos particulares e compartilhados na maioria dos dramas trágicos de Shakespeare:
(1)
Propõe-se a construção da idéia da tragédia shakespeariana a partir da apreciação dos fatos que contém as obras. O primeiro deles é a personagem do herói trágico, sobre o qual trata o enredo. Apesar de a peça conter, muitas vezes, diversos personagens, o enredo trágico gira em torno do herói, ou no máximo, do herói e da heroína como se apresentam nas tragédias de romances.
Exemplo: Romeu e Julieta, e Antônio e Cleópatra.
O sofrimento e a morte do Herói:
É, da mesma maneira, considerada como elemento essencial para a classificação de uma obra trágica de Shakespeare a morte do herói após uma seqüência de acontecimentos tumultuosos, excluindo-se então Troilo e Cressilda, e Cimbelino.
Sofrimentos e calamidades excepcionais que recaem sobre a imagem do herói contrastam com sua vida gloriosa anterior. E geralmente os infortúnios que afligem o herói trágico se estendem para além dele[1]. Este sofrimento é a principal fonte de compaixão, dentre os elementos capazes de gerar os fortes sentimentos da audiência. É possível perceber uma variação de intensidade do sentimento e a quem se dirige a compaixão causada pelo sofrimento. Em Rei Lear a compaixão é direcionada para o herói, já em Macbeth é mais direcionada às personagens secundárias.
A Fortuna:
O fenômeno trágico em Shakespeare apresenta-se por um enredo embasado na total inversão da sorte dos homens de “alta estirpe” (ing. “men of high state”, ou “homens de alta posição”), aparentemente feliz e seguro. A queda de um homem de alta posição aumenta a sensação de contraste entre sua glória passada e sua miserabilidade posterior. Sua vulnerabilidade perante a Fortuna causa temor. Esta é a forma do fenômeno trágico do espírito medieval, que a tragédia shakespeariana inclui em certa medida: a total inversão da sorte de um homem de alta posição, sem qualquer aviso, com apelo de compaixão e comiseração humanas à audiência causando-lhes, ao mesmo tempo, assombro e medo. Faz sentir o homem como indefeso, cego e suscetível em relação a qualquer poder inescrutável. Revela a fragilidade humana diante da impotência e do capricho do destino e da fortuna (p. 6).
Homens de poder:
O herói trágico é representado por uma personagem de alta posição, importante e em alguma medida poderoso, como em Ricardo II, Rei Lear ou mesmo Otelo, General da República. Suas ações e infortúnios geram influência não apenas sobre si e seu destino, mas sobre o destino de todos aqueles que são próximos ou lhe estão subordinados, seja dentro de uma família, um país ou um império[2].
[1] Isto, como se verá mais adiante, porque o herói será alguém de grande importância e influência sobre determinado grupo de pessoas, seja uma família, um país ou um império, e seu destino trágico é compartilhado por todos os demais.
[2] Minha compreensão da tragédia shakespeariana a partir da leitura de Bradley e minha própria concepção: Em certa medida, a representação do herói como autoridade ou possuidor de influência pública – cuja vida está ligada ao destino de muitos – relaciona os eventos trágicos a toda uma comunidade humana. Da mesma forma, a queda de um homem poderoso dentre os homens, por ser incapaz perante os desígnios da Fortuna, representaria a fragilidade e impotência da humanidade em geral.
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